quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Lado a lado: Ainda o Pinheirinho / Tinham razão as 3 mil famílias despejadas na cidade de Uberlândia. As reflexões do desembargador se aplicam perfeitamente ao caso de Uberlândia


Tinham razão as 3 mil famílias despejadas na cidade de Uberlândia
Entrevista exibida no programa Chumbo Grosso, da TV Vitoriosa, Uberlândia, de 07/02/2012, apresentado por André Silva

Desta entrevista se conclui que tinham razão as 3 mil famílias que foram despejadas, da área onde hoje vai ser construído um cemitério, em Uberlândia. Segundo o Procurador da Prefeitura do Município de Uberlândia da área onde se localizará o cemitério, não se tem certeza de quem são os proprietários: “A desapropriação é um ato jurídico, quando não se tem a certeza de quem são os proprietários da área. O município tem de ingressar com um pedido judicial. Então, essa desapropriação, ela é judicial. O município entendeu por bem desapropriar uma área de 432 mil metros quadrado. Esse processo corre na 2ª Vara de Fazenda Pública, Dr. João Elias concedeu a emissão do município nesta área. Nós temos toda documentação. Os oficiais de justiça deram posse dessa área ao município. E nós entregamos essa área oficialmente à Secretaria de Serviços Urbanos, para que ela procedesse ao processo licitatório, que está em andamento”. 

Quando perguntado, pelo apresentador do programa, se a desapropriação havia beneficiado alguém, o Procurador responde:. “Me causa estranheza, Potinho. Me causa estranheza, as informações que chegam até você. Ali é um loteamento clandestino, que se iniciou em 1946. O senhor Irany Anecy, que já faleceu. Ali tem, segundo informações, mais de 300 proprietários, sabe lá quem são. Muitos herdeiros. Então, nada, nada, é uma história de 66 anos. Então, o município tem de tomar sua providência, ou seja, ocupar os espaços vazios. Então, de acordo com o Serviços Urbanos, outras secretarias, Meio Ambiente, aquela área foi propicia. Pra que? Pra que, para se instalar o cemitério em Uberlândia, de grande porte, com crematório. Atender não só a Uberlândia mas ao entorno de Uberlândia ....”

Assim, se tratando de “uma área sem certeza de quem são os proprietários”, de um “antigo loteamento clandestino”, com “mais de 300 proprietários, sabe lá quem são”, como afirma a Procuradoria do Município de Uberlândia, o FALA CHICO levanta a seguinte interrogação: 

A ação de reintegração de posse, expedida pelo Sr. Juiz da 4ª Vara de Uberlândia foi para reintegrar quem na posse? As 3 mil famílias foram despejadas em favor de quem?
Na época as 3 mil famílias, , que ocupavam essa área , que agora foi desapropriada para o cemitério, e várias organizações que os apoiam, afirmavam:

"O espólio Irany Anecy de Souza, um dos supostos donos da área, nunca tomou posse efetiva da mesma, porque rompeu com a imobiliária Tubal Vilela, tanto é que desfez a permuta irregular.

Irany vendeu centenas de pedaços dessa área para terceiros, e esses possuem matrículas dos mesmos, num loteamento chamado “Vila Jardim”, que nunca foi aprovado pela Prefeitura de Uberlândia, mas mesmo assim alguns desses pagam IPTU.

O abandono da área levou 3 mil famílias de sem terra a ocupar o local..

A decisão do despejo se baseia em documentos com indícios concretos de fraudes cartorárias. Agrava-se o fato de que na escritura juntada aos autos de n. 0320430-08.2011, uma simples conta matemática comprova a ilegitimidade do Espólio de Irany Anecy de Sousa, que vendeu quantidade de terras superior ao próprio título da área que alega ser proprietário."


Lamentavelmente, a Prefeitura sabia da justeza da luta dos sem teto, e nada fez. Pensava em cemitério .... O Procurador do Município da Prefeitura, em entrevista, admite que a área onde estavam as 3 mil famílias acampadas, e depois despejadas, no ano passado,  não tem proprietários. Tinham razão as 3 mil famílias despejadas na cidade de Uberlândia. 
Frei Rodrigo


SÃO PAULO 09/02/2012

Ainda o Pinheirinho
José Osório de Azevedo Jr

Decisão judicial não se discute, cumpre-se? Apenas em casos corriqueiros, mas não quando pessoas indefesas são atingidas; o direito não é monolítico

Os fatos são conhecidos: uma decisão judicial de reintegração de posse sobre uma favela. A ocupação começou em 2004, por pessoas necessitadas de moradia.

Segundo a Folha, a proprietária obteve reintegração liminar em 2004. Durante um imbróglio processual, os ocupantes permaneceram. Em 2011, uma nova decisão ordena a reintegração. Foi essa a ordem que o Poder Executivo cumpriu no dia 22 de janeiro, com aparato policial, caminhões e máquinas pesadas.

A ordem era, porém, inexequível, pois, em sete anos, a situação concreta do imóvel e sua qualificação jurídica mudaram radicalmente.

O que era um imóvel rural se tornou um bairro urbano. Foi estabelecida uma favela com vida estável, no seu desconforto. Dir-se-á que a execução da medida mostra que a ordem era exequível. Na verdade, não houve mortes porque ali estava uma população pacífica, pobre e indefesa.

Ninguém duvida da exequibilidade física da ordem judicial, pois todos sabem que soldados e tratores têm força física suficiente para "limpar" qualquer terreno.

O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da ordem.

Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na Constituição.

O principal deles está inscrito logo no art. 1º, III, que indica a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse valor permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos, inclusive os chefes de Poderes.

As imagens mostram a agressão violenta à dignidade daquelas pessoas. Outro princípio constitucional foi afrontado: o da função social da propriedade. É verdade que a Constituição garante o direito de propriedade. Mas toda vez que o faz, estabelece a restrição: a propriedade deve cumprir sua função social.

Pois bem, a área em questão ficou ociosa por 14 anos, sem cumprir função social alguma. O princípio constitucional da função social da propriedade também obriga não só aos particulares, mas também a todos os Poderes e os seus dirigentes.

O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo já consagrou esse princípio inúmeras vezes, inclusive em caso semelhante, em uma tentativa de recuperação da posse de uma favela. O tribunal considerou que a retomada física do imóvel favelado é inviável, pois implica uma operação cirúrgica, sem anestesia, incompatível com a natureza da ordem jurídica, que é inseparável da ordem social. Por isso, impediu a retomada. O proprietário não teve êxito no STJ (recurso especial 75.659-SP).

Tudo isso é dito porque o cidadão comum e o estudante de direito precisam saber que o direito brasileiro não é monolítico. Não é só isso que esse lamentável episódio mostrou. Julgamento e execução foram contrários ao rumo da legislação, dos julgados e da ciência do direito.

Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão atingir diretamente muitas pessoas indefesas.

Estranha-se que o governador tenha usado o conhecido chavão segundo o qual decisão judicial não se discute, cumpre-se. Mesmo em casos menos graves, os chefes de Executivo estão habituados a descumprir decisões judiciais. Nas questões dos precatórios, por exemplo, são milhares de decisões judiciais definitivas não cumpridas.

JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JR., 78, é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de direito civil desde 1973

Nenhum comentário:

Postar um comentário